"Você precisa sustentar os seus desejos"
Sim, foi isso que ouvi da minha psicóloga. Palavras soltas com uma facilidade que não exprimem a realidade desta ordem que carrega um peso imenso.
Sustentar meus desejos? Mas afinal, o que são os meus desejos? Às vezes, parece que os perdi no caminho, em meio as pressões da rotina, às responsabilidades e as obrigações que a vida nos impõe. Mais do que nunca, sinto que os gritos dos meus desejos estão silenciados, abafados, submersos e quase imperceptíveis, como leves sussurros distantes em meio a um oceano de ruídos.
Vivemos em uma sociedade onde o espaço para o desejo está cada vez mais restrito. O desejo, que antes era vibrante e impulsivo, agora se dissolve na correria do dia a dia, na busca incessante pelo cumprimento das obrigações, na sobrevivência em um mundo que nos cobra por resultados, eficiência e produtividade a cada segundo do dia. Essa rotina que suga nossa energia, atenção e faz com que nos sintamos culpados ao buscarmos momentos de prazer, onde a produtividade é deixada de lado, não nos permite encontrar, identificar e sustentar nossos próprios desejos.
Os desejos não coexistem com a pressa. Eles precisam de tempo, espaço e silêncio. Hoje, privilégio para poucos.
Desde a fala dela pensei muito sobre o que são meus desejos. Como reconhecer aquilo que vem de mim mesma? Como separar o que eu realmente quero do que esperam de mim? Nessa confusão, o desejo, que deveria ser a minha bússola interna, transforma-se em um grito abafado que mal consigo ouvir. O que eu quero de verdade? Qual é o grito que vem lá de dentro? É um grito de liberdade? De descanso? De pertencimento? De amor? Eu não sei...
Enquanto luto para encontrar essas respostas, percebo o quão facilmente os desejos podem ser silenciados, esmagados pela necessidade de sobreviver. Em um mundo onde milhões estão apenas lutando para garantir comida, moradia e roupas, o desejo torna-se algo secundário, quase supérfluo. A necessidade grita mais alto, ofuscando aquilo que queremos verdadeiramente. Há um grito constante por sobrevivência, que cala os outros gritos. Quando a vida se resume a sobreviver, o desejo se transforma em um luxo, algo reservado para aqueles que já conquistaram o básico, que já têm tempo para refletir sobre o que realmente querem.
E, mesmo para aqueles que têm esse privilégio, como é o meu caso, o desejo muitas vezes parece inacessível. Não pelo fato de que não tenho o que preciso para viver, mas porque a vida moderna nos oferece tantas distrações que sufocam nossos verdadeiros anseios. Quantas vezes já me peguei rolando o feed do Instagram por horas a fio, tentando não pensar na minha própria existência, evitando o grito incômodo que ecoa dentro de mim? É claro que essa percepção não surgiu sozinha, percebi isso ao longo de muito tempo de terapia. Esse comportamento de busca constante por algo externo para preencher um vazio interior é, na verdade, uma forma de amortecer o grito dos desejos. Porque, de algum modo, nossos desejos parecem inalcançáveis. Talvez seja mais fácil anestesiar o grito do que enfrentá-lo, do que assumir a responsabilidade de sustentá-lo.
Porém, quanto mais fujo desse grito, mais ele parece crescer. O desejo não desaparece quando o ignoramos. Ele se acumula, intensifica-se e, eventualmente, torna-se insuportável de ser contido. E, então, ele explode, às vezes de maneira destrutiva. Pode ser o desejo de largar tudo, de fugir, de mudar radicalmente de vida. Pode ser o desejo de ser ouvido, compreendido, amado. Pode ser o desejo de simplesmente descansar, de encontrar paz. Mas quando reprimimos esses desejos, o grito silencioso vai se tornando um barulho ensurdecedor dentro de nós.
O grito dos desejos é, muitas vezes, um grito de liberdade. Liberdade das expectativas, das imposições externas, das normas sociais que nos dizem o que devemos querer, como devemos nos comportar, o que devemos fazer para sermos aceitos e considerados bem-sucedidos. O desejo genuíno não segue essas regras. Ele é selvagem, imprevisível, às vezes até irracional. Mas é justamente essa natureza indomável que o torna essencial para a nossa humanidade.
No entanto, vivemos em uma época em que o grito dos desejos foi domesticado, transformado em algo que pode ser comercializado, padronizado, embalado e vendido. A sociedade nos diz o que deveríamos querer: um carro novo, o último modelo de celular, uma casa maior, uma vida perfeita nas redes sociais. E nessa avalanche de "desejos fabricados", é fácil perder de vista aquilo que realmente queremos, aquilo que nosso eu mais profundo grita em silêncio.
A pergunta que surge, então, é: como sustentar nossos desejos em meio a tudo isso? Como dar voz a esse grito que vem de dentro quando estamos constantemente sendo bombardeados por vozes externas? Sustentar os desejos, ao que parece, não é uma tarefa simples. Exige coragem, disposição para ouvir a si mesmo e, muitas vezes, desafiar as expectativas e os padrões que nos cercam.
Sustentar nossos desejos significa, antes de tudo, aprender a ouvi-los. E isso exige que criemos espaço para o silêncio, para a introspecção. Não é à toa que tantas práticas de autoconhecimento, como a meditação ou o mindfulness, nos incentivam a desacelerar, a silenciar o ruído ao nosso redor, para que possamos, enfim, ouvir o que há dentro de nós. Ouvir o grito dos desejos requer um desligamento temporário do mundo exterior e uma conexão profunda com o nosso mundo interior.
Mas ouvir não é suficiente. É preciso também agir. Sustentar nossos desejos significa transformá-los em movimento, em ação. Não adianta apenas saber o que queremos; precisamos encontrar formas de realizar esses desejos, de dar-lhes vida. E isso, muitas vezes, exige uma boa dose de ousadia, porque nossos desejos nem sempre se alinham com o que o mundo espera de nós.
Há um aspecto importante no sustento dos desejos: a aceitação de que, muitas vezes, eles mudam. O grito que ecoa dentro de nós não é sempre o mesmo. Nossos desejos podem se transformar como tempo, conforme vivemos, amadurecemos, aprendemos e experimentamos o mundo de novas formas. O desejo de ontem pode não ser o mesmo de hoje, e isso é natural. O importante é continuar ouvindo, continuar sustentando esse grito interno, mesmo que ele mude de tom ao longo do caminho.
No fim, sustentar nossos desejos é, de certa forma, sustentar a nossa própria existência. É reconhecer que somos seres que desejam, que buscam, que anseiam por algo além da mera sobrevivência. E enquanto o grito dos desejos não for ouvido, estaremos sempre incompletos, vivendo uma vida que não é plenamente nossa. Sustentar o desejo é sustentar quem somos, é dar voz àquilo que nos move, que nos faz vibrar. É, em última análise, sustentar a nossa própria humanidade.